O sonho de alguns suplentes liderados por Marcio Lacerda Filho (PMDB) e Tarcísio Paulino (PSB), de tomar posse na Câmara Municipal, em substituição a vários vereadores eleitos beneficiados, supostamente, por crime eleitoral, praticado por um grupo de sete mulheres acusadas irregularidades, acabou. O juiz da 6ª zona eleitoral Wladys Roberto Freire do Amaral, não viu nenhuma fraude no processo e absolveu as candidatas Ana Luiza Francisco da Silva e Karina Albuquerque da Silva, ambas do PT do B.
E, o mais interessante: o juiz estendeu os efeitos da absolvição da Ana Luiza e Karina para as outras mulheres denunciadas que haviam aceitado a suspensão do processo mediante de pagamento de multa e outras restrições. Agora todas estão absolvidas criminalmente e não mais precisam cumprir as condições impostas em audiência realizada mês de maio. A ocasião elas aceitaram a suspensão do processo, mas com a condição ao pagamento de multa no valor de R$ 900.00, além de uma série de outras condições impostas.
A sentença do juiz Wladys do Amaral acatou pedido da defesa das duas candidatas, patrocinada pelo advogado Hamilton Lobo e reconheceu que a conduta das duas não configurou fraude, logo não havendo que se falar em condenação.
Para o juiz ficou “clarividente a atipicidade da conduta das acusadas, primeiro porque o ato de desistirem de concorrer à vereança é mera irregularidade, não compreendendo ilicitude, pois não existe tipificação legal; segundo porque não ficou comprovado nos autos que a inscrição eleitoral das rés fora com o intuito direcionado de fraudar o processo eleitoral (dolo omissivo), quando então poder-se-ia desafiar a punição do art. 350 do Código Eleitoral”.
Entenda o caso!
A defesa do grupo de suplentes da coligação “Cáceres para todos I” (PMDB/DEM/PSB/PP) liderados pelos ex-vereadores Márcio Lacerda (PMDB), Tarcísio Paulino (PSB) e Odenir Neris (PSD) pleiteavam a cassação do mandato de 9 vereadores eleitos pelas coligações “Agora é a Vez do Povo” (PT do B/PRTB/PRP), “Frente Popular” (PT/PV/PC do B/SD), “Cáceres Para Todos II” (PPS/PTN) e “Trabalho, Transparência e Resultado I” (PSDB/PR/PSC) por captação ilícita de sufrágio.
Além dos suplentes, o MPE também ingressou com uma ação propondo a condenação das candidatas por concorrerem ao cargo com candidaturas fictícias. Tanto os vereadores quando o MPE alegavam que Ana Luiza Francisco da Silva (PT do B), Karina Albuquerque da Silva (PT do B), Joselma Sile Justiniano (PV), Suellen Cristine Silva Ormond (PSC), Flávia Aparecida de Souza da Rocha (PTN), Tânia Aparecida Varco da Silva Vieira (PSC) e Roselaine Evangelista da Silva (PT do B) teriam lançado as respectivas candidaturas somente para atingir o percentual mínimo de 30% da cota de gênero feminino.
Ou seja: não votaram nem em si mesmas, sendo que todas compareceram aos locais de votação. O que de acordo com a defesa “fato este que alterou completamente o resultado das eleições”.
A defesa se mostrou otimista quando, durante audiência no mês de maio, o MPE propôs a condenação de duas candidatas e a suspensão do processo para cinco. Ela (defesa) avaliou que a medida estaria favorecendo o grupo. Entendeu que, a condenação e suspensão do processo, seria como a confirmação de crime eleitoral: ledo engano. O juiz entendeu exatamente o contrário absolvendo todas.
Estavam na espera para assumir o cargo os suplentes Marcio Lacerda (PMDB), Odenir Neris, Arimatéia e Beto Serrão todos PSD, João Resende, Pastora Rosemar, Tarcísio Paulino, cabo Pinheiro e Roberto França, todos PSB. Nesse caso perderiam o mandato os vereadores Cesare Pastorelo, Valdeníria Dutra Ferreira, Cláudio Henrique, todos do PSDB, José Eduardo Torres (PSC), Creudes Castrillon (PTN), Dener do Regional (PT), Rosinei Neves (PV), Elias Pereira (PT do B), Vagner Barone (PTN).
Vejam a íntegra da sentença:
Ação Penal nº 24-05.2017.6.11.0006 Vistos etc.
Trata-se de Ação Penal movida pelo Ministério Público Eleitoral, por sua representante institucional na 6ª Zona Eleitoral de Cáceres, objetivando a condenação das denunciadas Ana Luiza Francisco da Silva, Karina Albuquerque da Silva, Joselma Sile Justiniano, Suellen Cristine Silva Ormond, Flávia Aparecida de Souza Rocha, Tânia Aparecida Varco da Silva Vieira e Roselaine Evangelista da Silva, qualificadas nos autos, como incursas nas penas do art. 350 do Código Eleitoral.
Aduz o Ministério Público Eleitoral que no segundo semestre do ano de 2016, as denunciadas inscreveram-se como candidatas a vereadoras de diferentes partidos políticos, agindo com dolo omissivo quando deixaram de informar a desistência das suas candidaturas à Justiça Eleitoral, violando o preceito de regra protetiva de gênero, pois impediram a substituição ou a candidatura de novas candidatas, conforme prevê a norma do art. 10, §3º, da Lei n. 9.504/97.
Afirma que a conduta das denunciadas incorre no delito de falsidade ideológica eleitoral, haja vista que as candidaturas revelaram-se fictícias, pois as candidatas requereram os registros das candidaturas e não efetivaram participação no processo eleitoral. Instruiu a denúncia com o Procedimento Preparatório Eleitoral nº 007153-012/2016, apresentando Certidões Eleitorais (fls. 24/37), Registros de Candidaturas (fls. 38/676), Termos de Declarações Extrajudiciais (fls. 694/748) e demais documentos (fls. 749/758).
Recebimento da denúncia às fls. 759/780.
Devidamente citadas, as acusadas apresentaram as suas respostas à acusação, postulando pelas absolvições sumárias ou absolvições após a regular instrução do processo, haja vista a atipicidade das suas condutas de desistirem das candidaturas sem comunicarem formalmente à Justiça Eleitoral (Suellen C. S. O. – fls. 779/789; Tânia A. V da S. V. – fls. 807/817; Flavia A. de S. R. – fls. 837/848; Joselma S. J. – fls. 851/854-v; Roselaine E. da S. – fls. 876/887; Ana L. F. da S. – fls. 892/903 e Karina A. S. – fls. 905/916). Apenas a ré Joselma arguiu a preliminar de inépcia da denúncia.
Certidões de Antecedentes Criminais às fls. 868/874. Certidões Criminais expedidas pela 5ª Vara Cível da Comarca de Cáceres/MT às fls. 934/940. Certidões da Delegacia de Polícia Federal em Cáceres/MT às fls. 942/948. Certidões da 6ª Zona Eleitoral de Cáceres/MT às fls. 950/956. Certidões do Cartório Distribuidor da Comarca de Cáceres/MT às fls. 962/970.
Às fls. 976/977 consta Termo de Audiência de Suspensão Condicional do Processo, onde foi suspenso o processo pelo prazo de 02 (dois) anos em relação às acusadas Tânia Aparecida Varco da Silva Vieira, Suellen Cristine da Silva Ormond, Roselaine Evangelista da Silva, Joselma Sile Justiniano e Flávia Aparecida de Souza Rocha.
Em sede de audiência de instrução foram interrogadas as acusadas Ana Luiza Francisco da Silva e Karina Albuquerque da Silva (fls. 978/978-v). Alegações Finais do Ministério Público Eleitoral às fls. 982/988 e da defesa às fls. 991/1005.
É o relatório.
Fundamento e decido.
Cuida-se de Ação Penal onde o Ministério Público Eleitoral busca a condenação criminal das acusadas Ana Luiza Francisco da Silva, Karina Albuquerque da Silva, Joselma Sile Justiniano, Suellen Cristine Silva Ormond, Flávia Aparecida de Souza Rocha, Tânia Aparecida Varco da Silva Vieira e Roselaine Evangelista da Silva como incursas nas penas do art. 350 do Código Eleitoral.
Tendo em vista que o processo fora suspenso em relação às denunciadas Tânia, Suellen, Roselaine, Joselma e Flávia e que se fazem presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo ao exame do mérito da causa em relação as rés Ana Luiza Francisco da Silva e Karina Albuquerque da Silva, uma vez que ausentes nulidades ou irregularidades a sanar.
Segundo narra a inicial acusatória, no segundo semestre do ano de 2016, as denunciadas inscreveram-se como candidatas a vereadoras de diferentes partidos políticos, agindo com dolo omissivo quando deixaram de informar a desistência das suas candidaturas à Justiça Eleitoral.
Consta que tal conduta omissiva (desistência informal) violou o preceito de regra protetiva de gênero, já que impedira a substituição ou a candidatura de novas candidatas, conforme prevê a norma do art. 10, §3º, da Lei n. 9.504/97. Consta, ainda, que a conduta das denunciadas incorre no delito de falsidade ideológica eleitoral, haja vista que as candidaturas revelaram-se fictícias, pois as candidatas requereram os registros das suas candidaturas e não efetivaram participação no processo eleitoral.
De acordo com o art. 350 do CE, o delito de falsidade ideológica eleitoral consiste em: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”. Avulta-se pelo referido artigo que o tipo penal é composto pelas elementares “omitir, inserir e fazer inserir”.
Na primeira conduta, o agente esconde, silencia, omite fato ou circunstância que tem o dever de declarar, deixando o documento imperfeito. Na segunda conduta, o agente insere declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita. E, na terceira conduta, a inserção é feita de forma indireta ou mediata por outra pessoa, tendo o agente apenas propiciado tal situação.
Para José Jairo Gomes (Crimes e Processo Penal Eleitorais, 2015. p. 196), esse artigo 350 corresponde ao art. 299 do Código Penal, tendo o legislador eleitoral apenas alterado o elemento subjetivo “fins eleitorais”. O autor explica ainda que na falsidade intelectual, a estrutura ou o suporte do documento (aspectos externos) é impecável, o documento é autêntico, porém, o seu teor não corresponde à verdade, pois é falso, mentiroso.
“No crime de falsidade ideológica a falsidade incide sobre o conteúdo do documento, que, em sua materialidade é perfeito. A ideia lançada no documento é que é falsa razão pela qual esse delito é, doutrinariamente denominado de falso ideal, falso intelectual e falso moral (Rogério Greco in”Código Penal Comentado”, Ed. Impetus, 1 edição, 2008, página 1.175). Protege-se, assim, a fé pública, no que se refere à autenticidade do documento em seu aspecto substancial (Damásio E. de Jesus in “Direito Penal – Volume 4”, ed. Saraiva, 6 a edição, 1995, página 51). É preciso que a falsidade ideológica seja praticada com a finalidade de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. (Guilherme de Souza Nucci in “Manual de Direito’ Penal”, Ed. Revista dos Tribunais, 4 edição, 2008, página 915)”. (STJ. Denuncia na Ação Penal n 549, de 21.10.2009, Min. Felix Fischer)
Verifica-se que para a configuração do delito faz-se necessário que a declaração falsa ostente relevância jurídica, devendo haver probabilidade de lesão ao bem jurídico tutelado, qual seja, a fé pública eleitoral. No caso dos autos, a prova arregimentada demonstrou que as acusadas não incorreram na prática do delito de falsidade ideológica eleitoral. Isso porque a conduta atribuída as rés não se coaduna com o crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral, pois não se trata de omissão de declaração necessária em documento público ou particular, ou de inserção de declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita no documento, para fins eleitorais.
In casu, as denunciadas efetuaram os registros das suas candidaturas para vereadoras municipais, mas não concorreram efetivamente ao pleito eleitoral, pois teriam desistido tacitamente da eleição, razão pela qual não efetuaram a divulgação das suas concorrências e não obtiveram qualquer voto nas urnas.
A meu sentir o ato tácito ou informal de desistir de uma candidatura eleitoral não guarda qualquer relação com a conduta típica consistente na “omissão de declaração necessária em documento público ou particular, ou de inserção de declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita no documento, para fins eleitorais”. Não existe qualquer previsão legal que estabeleça uma prescrição punitiva para a desistência informal da concorrência a candidatura eleitoral.
Caso a intenção do legislador fosse punir o (a) candidato (a) que desistisse da candidatura e não informasse à Justiça Eleitoral, por entender que assim agindo estaria com o dolo omissivo de fraudar o pleito eleitoral e, via de consequência, o preceito de regra protetiva de gênero, deveria ele expressamente prever tal situação no Código Eleitoral. Entendo que a desistência da candidatura, da mesma forma que a renúncia formal, não pode ser encarada como conduta dolosa omissiva para fraudar a fé pública eleitoral, pois não existe tal previsão legal.
É evidente que a conduta de não comunicar à Justiça Eleitoral a desistência de concorrer às eleições é hipótese corriqueira nos pleitos e um fato irrelevante para a seara penal, eis que o tipo subjetivo é o dolo de dano, a vontade livre e consciente de fraudar algum documento público, que é o objeto material, sendo que o tipo penal do art. 350 do CE não prevê a forma culposa, não podendo presumir a consciência da falsidade e sem esta consciência não há falsidade ideológica (TSE – Respe nº 25918-SP-DJe 1-2-2010, p. 438).
Sem tal comunicação (desistência), há mera irregularidade praticada pelo candidato, pois não há previsão de sanção penal para essa conduta. Dizer que quem desiste comete, automaticamente, uma fraude eleitoral, beneficiando o seu partido ou a sua coligação, é um longo caminho que necessita de provas contundentes.
Como cediço, a boa-fé é presumida e a má-fé deve restar amplamente comprovada. Assim, caberia à acusação comprovar que as acusadas realizaram os registros das suas candidaturas com o fim específico de complementação do percentual mínimo de 30% (trinta por cento) reservado para cada sexo, e que a desistência posterior já seria intencional e acertada, ferindo a regra protetiva do gênero, porque não seria mais possível substituir as candidatas desistentes por outras que efetivamente concorreriam às eleições municipais.
No entanto, tais fatos não restaram minimamente comprovados pelo órgão acusador, sendo medida de rigor a absolvição das acusadas. É clarividente a atipicidade da conduta das acusadas, primeiro porque o ato de desistirem de concorrer à vereança é mera irregularidade, não compreendendo ilicitude, pois não existe tipificação legal; segundo porque não ficou comprovado nos autos que a inscrição eleitoral das rés fora com o intuito direcionado de fraudar o processo eleitoral (dolo omissivo), quando então poder-se-ia desafiar a punição do art. 350 do Código Eleitoral.
Vale ressaltar que o fato de as acusadas não terem obtido voto na eleição, por si só, desprovido de outros elementos robustos, não pode caracterizar fraude eleitoral, eis que dos depoimentos acostados às fls. 978, visualizo que a ré Ana Luiza já fazia trabalho de liderança comunitária de bairro e serviços voluntários (1’09’’), enquanto que a ré Karina Albuquerque já participava de vários eventos sociais no bairro em que mora (1’49’’), perfis parecidos com os candidatos à vereança pelo país.
Destarte, considerando a ATIPICIDADE da conduta das acusadas e a AUSÊNCIA DE DOLO, imperiosa a absolvição das rés Ana Luiza Francisco da Silva e Karina Albuquerque da Silva. Anoto, ainda, que o édito absolutório das referidas acusadas deve ser estendido as corrés Joselma Sile Justiniano, Suellen Cristine Silva Ormond, Flávia Aparecida de Souza Rocha, Tânia Aparecida Varco da Silva Vieira e Roselaine Evangelista da Silva, que tiveram a suspensão do processo determinada às fls. 976/977.
Primeiro porque não seria medida de justiça quem preencheu os requisitos subjetivos e objetivos permanecer numa situação processual mais gravosa que aquelas denunciadas que não fizeram jus ao referido benefício do art. 89 da Lei nº 9099/95. Segundo porque as denunciadas que foram agraciadas com a suspensão condicional do processo também foram incursas nas mesmas práticas ilícitas eleitorais pela acusação.
“É possível a extensão dos efeitos da absolvição pela via do habeas corpus como forma de sanar o constrangimento ilegal em situações excepcionais, desde que demonstrado, de plano e sem a necessidade de dilação probatória, que as condições em que foi praticado o delito são absolutamente iguais às do corréu.”.( TJ-MG – Habeas Corpus HC 10000140230186000 MG (TJ-MG) Data de publicação: 02/06/2014)
Posto isso e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão condenatória estatal deduzida na denúncia e, via de consequência, ABSOLVO as acusadas Ana Luiza Francisco da Silva e Karina Albuquerque da Silva das imputações que lhes foram atribuídas, o que faço com fundamento no artigo 386, incisos III e VII do CPP, estendendo os efeitos absolutórios às corrés Joselma Sile Justiniano, Suellen Cristine Silva Ormond, Flávia Aparecida de Souza Rocha, Tânia Aparecida Varco da Silva Vieira e Roselaine Evangelista da Silva, por incidência analógica do art. 580 do CPP, ficando dispensadas do cumprimento das condições impostas para a suspensão do processo.
Após o trânsito em julgado da presente sentença, certifique-se e procedam-se as baixas e anotações de estilo, arquivando-se, a seguir, os autos. P.R.I.C. Cáceres/MT, 03 de julho de 2017. Wladys Roberto Freire do Amaral Juiz da 6ª Zona Eleitoral